A “supremacia” masculina tem sofrido nos últimos anos alguns assombros, no entanto não existem grandes mudanças a registar no âmago de cada homem. Refiro-me ao género masculino, das gerações anteriores , talvez exista uma mudança com as novas gerações de homens , mas este post refere-se aos que já cá andam e são homens há mais de uma década.
A propósito da noticia sobre a descoberta de um grupo de setenta mil homens que partilham entre si fotos de mulheres de cariz sexual sem consentimento, li há poucos dias a frase de uma escritora que dizia ” Gosto de ser mulher mas estou cansada !” eu aos 54 anos revejo-me nesse estado de cansaço. Comecei cedo em vigilância para não ser abusada. Aos catorze anos, fugia de um tarado, que se masturbava enquanto observava as raparigas a caminho da escola, mais tarde cruzei-me com ele, mulher e filhos num supermercado, percebi que não era um “maluquinho” mas um tarado dissimulado em pai de familia.
Aprendi cedo a trancar movimentos e simpatias para que cada homem com quem me relaciono saiba o seu lugar, aprendi cedo a ter cuidado para que não existam duvidas na comunicação e nas percepções erradas sobre “disponibilidade” para além do relacionamento estritamente profissional, ocasional. Aprendi cedo que não podia ser livre, espontânea e autentica porque isso poderia levar a abusos com os quais não queria lidar.
Sou a terceira de sete filhas e tive o melhor pai que poderia ter tido. Um verdadeiro respeitador das suas mulheres mas também um protector, um “homem” que sabia muito bem do que os homens eram capazes e dizia muitas vezes, se alguém vos toca “Até tenho medo de mim!”, tinha pesadelos, vivia inquieto, puxava os namorados de todas para dentro de casa e tratava-os bem, para que nos tratassem bem.
Um dia a sair para a escola chamou-me a atenção:
“Ana Teresa aperta o botão da camisa !”
-Porquê pai, tu também não gostas de andar sufocado, eu sou encalorada como tu!
Não estava nada demais, a camisa estava fechada acima do peito, mas aquele botão desapertado, despertava a curiosidade entre “mamas”. E ele disse-me:
-Filha os homens são tarados, tu não imaginas as conversas que existem “entre eles” sobre as mulheres , como as olham, como as observam!
Comecei assim a minha adolescência enquanto mulher: ALERTA.
Aos dezoito anos tive o primeiro episódio de assédio sexual. Tinha o sonho de fazer Rádio, e um amigo do meu pai conseguiu a entrevista numa radio nacional com uma figura de destaque. A entrevista durou cinco minutos, o tempo do sujeito baixar as cortinas do gabinete e passar por trás de mim acariciando-me a cabeça, “vamos lá ver o que consigo fazer!!!!”. Levantei-me de imediato e saí dali a correr, cheguei ao carro e o meu pai , que tinha ficado à espera, perguntou espantado
“Já ?”
ao que respondi “Sim sim eles não tem espaço para mais ninguém!”
“Estranho filha, o Patinho garantiu-me que ele te colocava!”
-Deixa estar pai eu depois tento noutro sitio, também não gostei do ambiente!
Não vale tudo, o sonho ficou pelo caminho. Este episódio reforçou o que já sabia, precisava viver alerta.
E assim caminho há 40 anos, alerta e sempre a colocar os homens que chegam à minha vida num lugar de respeito. As minhas equipas sempre foram maioritariamente de homens e como produtora sempre fui eu que os conduzi e geri e, tenho a fama de impor respeito.
Há uns dias, na zona dos camarins de um festival de comédia, enquanto esperávamos pela hora do espectáculo, estávamos cerca de onze pessoas, dez homens e eu, a unica mulher a conversar. Surgiu como é comum, uma partilha de histórias engraçadas, do nada e fora de contexto, um dos sujeitos perguntou:
-Sabem aquela da “gaja violada”?!!!!!
Os homens da minha equipa olharam para mim expectantes, como quem diz “AI A ANA” … levantei-me de mediato e num tom de voz sério, interrompi:
-Está na hora de me retirar… só mesmo um homem , que não sabe o que é viver no sufoco de algum dia poder ser abusado é que fala levianamente e brinca “Estupidamente” com um dos actos mais violentos feitos contra um ser humano!
O silêncio foi geral e obviamente o grupo desmobilizou! Nunca me preocupei muito se estragava a festa ou matava o ambiente, quando se trata de travar a “supremacia dos tolos” e a inconsciência.
Não posso mudar as mentes desta gente, nem alterar a “soberba” e a “supremacia” que lhes foi conferida pela cultura, pela religião e pela natureza das sociedades machistas, mas nas minhas equipas e na minha presença imponho regras, sempre impus:
- Homens em contexto de trabalho, na minha presença, não mandam piropos a outras mulheres.
- Homens que viajam comigo não contam anedotas sujas, machistas sobre mulheres.
- Nos meus grupos de trabalho de whatsapp não existem trocas de mensagens com piadas ordinárias, fotos e videos de cariz sexual.
- Da minha equipa só fazem parte homens que respeitem estes principios
- Na minha presença , tem de respeitar todas as mulheres que eu represento.
Tenho conhecido homens fantásticos, educados e íntegros que partilham comigo o quão dificil por exemplo é ter um grupo de whatsapp de homens, onde não sejam vulgarizadas as mensagens sobre mulheres, os conteúdos de cariz sexual, os stickers, as partilhas da pornografia, mas ainda assim eles fazem parte e confessam que se conseguem integrar. Tenho também muitas amigas que acham que sou exagerada e consideram estes comportamentos “coisas de homens”, umas encolhem os ombros ou fingem não ver e ouvir, outras entram na brincadeira e respondem à letra.
Entendo que a unica forma de travar esta des-responsabilização masculina sobre o seu comportamento é através do respeito que cada mulher impuser, não lhes conferir “supremacia” nem considerar que fisicamente tem necessidades abismais de sexo que desculpam todo e qualquer comportamento em relação às mulheres.
Depois há uma outra visão sobre a necessidade excessiva de estimulação sexual, como uma adição tão grave como a adição ao alcool e às drogas, existe doença mental no meio deste comportamento aditivo. No entanto esta é uma adição alimentada e consentida pelas sociedades patriacais, uma adição mascarada nas crenças sociais, culturais e religiosas da procriação, uma adiçao sistémica transgeracional, que tem há seculos vitimizado mulheres e crianças…
Um assunto a ser explorado…A “supremacia dos homens” , a “supremacia dos Tolos” ou a “supremacia dos aditos”…. Dá que pensar!

