A Magia da (des)UNiÃO

Talvez seja impossível remodelar e arrumar, sem embater em memórias …E é muito bom quando esse embate gera boa química dentro de nós.

As memórias de que falo hoje não deixaram saudades, aconteceram no tempo certo, foram integradas e incluídas no caminho e até o facto de aparecerem hoje, revelam que tudo está onde tem de estar :

“Falar-se de liberdade não é original, mas é necessário. A liberdade de ser, a liberdade de estar, a liberdade de querer e conseguir. -Era uma vez uma liberdade pequenina que queria crescer, mas de vez em quando era assustada. Quem a assustava esquecia-se que ela ía crescendo, ganhava forma e sensibilidade, tinha querer e era forte. A liberdade tem um olhar doce e até gosta de ser incadeada pelo sol.”

Este texto foi uma carta de Amor, escrita por aquele que viria a ser o meu primeiro marido em 1989, uma carta acompanhada por uma foto de um urso dentro de uma jaula… (a beleza da terceira linguagem!)

Foi um amor fácil de acontecer , um amor ajustado a tudo aquilo que eu precisava com dezanove anos: ouvíamos a mesma música , partilhávamos a mesma ideologia social, política e profissional, gostávamos dos mesmos lugares, precisávamos os dois da mesma liberdade…

No entanto foi um amor que não sobreviveu e morreu quando “exigia” que entregasse o meu maior tesouro: a minha Liberdade. Um verdadeiro contrasenso , foi a minha liberdade que nos aproximou, mas com o tempo, pedia-me para deixar de ser quem era, pedia-me que renunciasse às minhas raízes, convidava-me a ter vergonha de onde vinha. No inicio prometia respeitar a minha liberdade , mas no fim queria amarrar me a ele, tal como “outros” de quem falava na tal carta , tentava assustar-me, esquecendo se de tudo aquilo que tinha visto em mim. Esqueceu-se também, que ao seu lado eu continuava a “crescer”, a ter o mesmo “querer” e acima de tudo tinha FORÇA e que eu vivia, indiscutivelmente pela liberdade!

Talvez este meu companheiro não soubesse que a tal liberdade “pequenina” a que se referia, o era apenas no tamanho e não na força.

Talvez ele não soubesse que ao me exigir que visse pelos seus os olhos , eu teria de renunciar aos meus, e isso eu nunca faria!

Esse meu “amor” não sabia que para ser verdadeiramente livres, precisamos de viver em paz, com os lugares de onde viemos.

Saí desse grande amor, a rastejar como se saísse de um campo de batalha, e consegui re-erguer me e apaixonar de novo… Desta vez por alguém que não ouvia a mesma música , nem gostava dos mesmos locais, alguém distante de todos os conceitos que conhecera até ali, alguém descomplicado (até demais), ausente e meigo na mesma medida, totalmente alienado do mundo, das obrigações e de todas as minhas experiências… Funcionou, talvez tivesse ficado cansada, de um amor onde tudo condizia menos o conceito de Liberdade!

Apaixonei-me por um novo amor e uma nova liberdade… A liberdade de amar sem ter nada em comum, de não precisar de ser nada, não ter de renunciar a nada, pouco importa se ouves a mesma musica ou não! Este amor era livre na diferença, na aceitação da não compreensão de algumas palavras do outro …um amor inexplicavelmente mais forte …

E deste Amor, graças ao outro não ter funcionado, conheci a maior dádiva de sempre: a liberdade de gerar vida dentro de mim, de ser mãe e mulher agora livre de opressões e obrigações em excesso, a liberdade de dizer não a tudo que me afastasse de ver crescer os meus filhos e a dádiva de um companheiro, que por viver numa busca incessante de liberdade , me entregou e confiou a “divina” tarefa de ser Mãe em liberdade…

Hoje os meus filhos visitaram as fotos de um passado, em que eles ainda não existiam e ao ver em mim uma jovem mais livre do que é agora, mais leve, menos sábia e menos vivida perguntaram-me: ” Não tens saudades mãe ?”

Respondi~lhes:

“Continuo em liberdade, não foram os amores que me fizeram livre! As fotos dos meus dezanove anos revelam uma jovem feliz e talvez crente numa liberdade vivida a dois, quando na verdade a foto do urso enjaulado, predizia o futuro! Fui feliz e por amor deixei-me enjaular , responsabilidade minha, esgotei-me durante alguns anos para ser vista, por quem que não me queria ver, quase esgotei todas as reservas de liberdade, até decidir sair dali ! Saí da zona de conforto material e financeiro, larguei tudo, deixei tudo para recuperar a minha liberdade de SER…E quando me apaixonei outra vez, foi por alguém que não me oferecia fotos de animais em jaulas nem me escrevesse textos bonitos …e assim surgiu o vosso pai, com sede de familia, de cura, mas também de liberdade…”

Temos conceitos de liberdade diferentes, pouco importa como a descrevemos, o mais importante é como a sentimos, como a praticamos e os seus limites dentro do nosso coração …

Vejo o caminho da liberdade, como um rio, cujas margens são a responsabilidade e o respeito, e cabe a cada um de nós fazer a sua travessia, acompanhados ou sozinhos… E durante esta travessia, pelas margens vamos deixando uns e acolhendo outros… E tudo acontece no tempo certo e no devido lugar.

Hoje morreu uma amiga, um espirito livre. Foi graças à Graça, que conheci o pai dos meus filhos… foi ela que me re-introduziu novamente no meio da producao de espectaculos após o meu divórcio e hoje no momento da sua morte eu escrevia sobre liberdade, sobre estar tudo certo, sobre respeito e responsabilidade, sobre memórias… E segue a vida!

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