Há 20 anos aceitei o desafio para produzir e gerir a carreira artistica de um humorista.
Se me dissessem que o iria fazer uns anos antes, não acreditava…
A minha paixão pelo meio musical e artístico começou em 1985, tinha quinze anos. Nessa altura percebi que a musica e os textos musicados, também tinham o poder de mudar realidades, de tornar o mundo melhor, de instruir , de contar a história e eternizar a cultura, de consciencializar, de unir as pessoas em prol da mudança, de convidar à reflexão colectiva, para enfim … intervir construtivamente!
A musica de intervenção teve o seu tempo e a sua função, mas a partir de certo momento politico , deixou de ser bem-vinda! … E nesse momento os cantores de intervenção começaram a ser silenciados, a não ser convidados para eventos , a ser lentamente substituidos e afastados dos palcos… Os “assuntos” cantados passaram a ser outros mais vulgares, românticos, quotidianos ou mais divertidos…
Os cantores de intervenção tentavam sobreviver e adaptar-se… mas o rótulo permanecia colado à pele “os comunas”… O enfraquecimento da esquerda, nomeadamente o “Partido Comunista Português” e outros, encostou muitos destes cantores e compositores, denunciando o poder da politica e dos meios de comunicação, em silenciar aqueles que culturalmente podiam continuar a ser inconvenientes através da sua arte…
Saíamos de uma ditadura, mas… ” à vontade, não é à vontadinha”!
Claramente assisti e vivi na primeira pessoa a temática dos “limites da musica”!
Voltando ao inicio deste texto, há 20 anos decidi, dedicar as minhas competências de produção e mangement para o Humor… Vinda de um meio artístico cultural e intelectualmente rico, assim que aqui cheguei coloquei os meus “limites” e condições, ao artista com quem aceitaria trabalhar: nada de ordinarice, nada de palavrões, nada de playback… nada que me colocasse a produzir um produto vazio, contra-producente e estupidificante de massas e… gratuito do ponto de vista da utilização das falhas de terceiros para fazer rir, ou seja bulliyng disfarçado de humor… !
Tive sorte, “humorista” queria o mesmo que eu e assim desenhamos a nossa acção: actor, humorista, cantor e apresentador, defenderíamos cada uma destas posições com dignidade. Ser popular SIM, mas não a qualquer custo!
Alem de produtora, sou humana, mãe , terapeuta, tecnica de acção social, mulher e…fui “bullizada” durante a minha infancia por ser gorda e baixa, sempre sob a premissa do “estava a brincar!”… talvez por isso o humor para mim sempre foi um pau de dois bicos…
Talvez por pertencer à área da sociologia e viver e sobreviver há mais de trinta anos, sob o que resulta do comportamento social, sei que tudo o que produzimos para as massas, pode ter uma função de “educar” ou “deseducar”. E embora saiba que muitas pessoas têm pensamento critico e capacidade relfexiva, sabe-se que a maioria não tem, sendo facilmente manipuláveis pelos seus idolos!
Todos aqueles que artisticamente atingem o grande publico , tem uma grande responsabilidade, e seja no humor ,na musica ou como influencers não podem, ou não devem infantilizar a sua acção apenas dizendo que , “fazem para fazer rir” ou apenas entreter, pois isso é uma des-reponsabilização e revela inconsciência sobre o papel que ocupam socialmente. É grave!
Socialmente a chica espertice do estava a brincar é contrariada pelo ditado “a brincar a brincar, diz-se o que se pensa” e sempre foi estratégia, comportamental, daqueles que tem prazer em troçar e ao mesmo tempo, querem ficar bem na fotografia social!
O “gozar” disfarçado de estou a brincar, e o prazer em enxovalhar, diz muito das necessidades “emocionais” de quem enxovalha … Ao longo destes anos assisti também ao gosto em irritar o outro quando se percebe que é uma pessoa “irritável” ( em ambos casos, o humorista que ser serve disto, a terapia faz bem!)
Assim que entrei no humor percebi … (deixemos-nos de hipocrisia) que há LIMITES … Deixem -se de coisas, há Limites sim ! E os grandes sábios dentro do humor foram aqueles a quem nunca foi preciso impor limites… eles fizeram-no por si só! E assim continuam , são diplomatas, esclarecidos e conscientes do seu papel… Vão fazendo passar algumas mensagens importantes, tem jogo de cintura… Aprenderam bem a lição da democracia “uma no cravo, outra na ferradura”.
A Cantiga é uma Arma… O Humor é uma Arma… O Teatro é uma Arma…
Ninguém pode estar acima de qualquer suspeita sobre o impacto das suas palavras na vida dos outros …
Viveríamos num mundo ideal e perfeito se todos nós soubéssemos rir de nós mesmos … Pois é , mas não é assim …O ser humano é complexo e complexado … tem traumas e situações pontuais na sua vida que não lhe permitem ter o equilíbrio perfeito … não só não conseguem rir de si mesmos , como ainda se sentem vítimas do que se passa ao redor … E sim, todos temos algo a ver com isso, quando trabalhamos para as massas!
“POIS MAS ASSIM NÃO PODEMOS CRIAR” apressam-se logo alguns a berrar!
Podem sim , mas tem de estar preparados para reconhecer que aquilo correu mal e pedir desculpa !
Não os humoristas não podem tudo no espaço publico…
Entendo que podem na sala e no espectáculo para o qual venderam bilhetes , no palco onde actuam, locais em que as pessoas livremente assistem ou saem … mas não , não podem tudo em qualquer lugar ou rede social… quando chegam mesmo àqueles que não os seguem …
Os humoristas não estão acima de qualquer supeita, são pessoas como as outras, muitas vezes a procurar no palco, a cura para a suas feridas! E a usar piadas para disseminar raivas e opiniões pessoais!
A inconveniência do humor ou da piada pode cair muito mal … Pedir desculpa fica sempre bem … O limite do humor só poderá não existir, quando o humorista deixa de se esconder na sua “profissão” e conhece o poder da sua acção social, e sabe que as consequências das suas palavras não estão no seu controle… O Humorista tem de estar preparado SEMPRE, para pedir DESCULPA e rectificar publicamente…
Quando não o faz e exige que todos se riam da mesma maneira ao que diz, é tolo e inconsciente sobre o poder da arma que tem em mãos… E a sua prepotência e arrogância essas sim… não tem limites!
Concluindo : NINGUEM PODE VIVER SEM LIMITES … A liberdade de uns acaba onde começa a de Outros…

