Fazer um dos caminhos de Santiago de Compostela é uma experiência física, psíquica e espiritual … na verdade o “camiño” é tão espiritual, como podem ser todas as experiências do nosso dia a dia.
Por cá, (pelo mundo) todos caminhamos , todos os dias , uns dias vivemos plenamente e noutros sobrevivemos ao que nos acontece… Neste caminho individual, uns buscam melhorar e entender quem são, outros preferem viver sem colocar questões, andar ao sabor do que acontece e simplesmente reagir … seja como for, é sempre o caminho de cada um…
Há uns dias fomos jantar em familia e cruzamos-nos, com alguns amigos dos nossos filhos, também acompanhados pelos pais. Pais com quem nos cruzámos diáriamente, durante mais de onze anos. Naturalmente não somos íntimos, mas também não somos desconhecidos. Um cumprimento é o mínimo que podemos fazer, até porque é bom perceber que estão bem, estão vivos, aparentemente de boa saude e igualmente em familia, a desfrutar de uma refeição.
Mas entre alguns dos pais, o cumprimento não foi retribuído…E uma das mães comentou comigo “não percebo porque não respondeu ao meu cumprimento, sempre foi assim , parece que perdem algo, por dizer bom dia!”
A observação daquela “mãe” sobre os outros não cumprimentarem, levou -me às dinâmicas sociais do colégio que tinham tanto de violento para os mais vulneráveis, como de absurdo para os mais conscientes/atentos. Obviamente em onze anos, foi possível observar uma realidade, que se repetia. Alguns pais, apenas cumprimentavam aqueles que consideravam do seu status, obviamente após um “check list” rigoroso; aos carros, aos nomes, ás zonas onde viviam e até à forma como se vestiam.
Como se farejassem a realidade do outro antes de o cumprimentar, e tudo fosse definido, antes de sair de casa. A afirmação de superioridade era um preocupação diária, que começava com a distribuição de bom dia e acabava com a saudação de boa tarde. Um comportamento que adoptavam no local onde se educam crianças, e neste caso particular , num colégio religioso, por isso além de um mau exemplo educativo há a acrescer a contradição cristã e para os mais crentes: o pecado !!!!
Observei este comportamento durante anos, e para que não restem dúvidas, claro que eles viam as pessoas a chegar, claro que sabiam que estavam ali, mas evitavam a todo o custo, cruzar o olhar, fingiam não ver… escolhendo criteriosamente aqueles que queriam cumprimentar…
Fiz recentemente um dos caminhos de Santiago. Cruzei-me com dezenas de pessoas… Ninguém desvia o olhar, vamos a pé, ninguém tem a marca do carro escrita na mochila, nem o cargo profissional. E do meio do silêncio e da natureza o cumprimento sai da alma “Bom Camiño”…
Cada um vive uma experiência individual, mas as dores nos pés, nas pernas, nas costas, e o cansaço é transversal… Sabemos uma coisa, queremos todos chegar ao fim, e ter a melhor experiência.. não sabemos os nomes, a nacionalidade , nem se são ricos ou pobres, em comum temos o mesmo destino , o importante é que ao ritmo de cada um, o caminho seja bom … é um desejo genuino!
A experiência do Camiño, pode ser transposta para a vida de cada um, e assim é fácil de entender que metaforicamente estamos todos no caminho … vamos todos chegar à nossa meta …as construções sociais de quem se considera ou se acha mais são um enorme engano, estamos todos no caminho!
Cumprimentar o outro é um acto básico de AMOR … Ser espiritual é saber que isto não acaba aqui … que estamos todos no caminho e que todos vamos lá chegar … Desejar um bom dia, a quem se cruza no nosso caminho é um acto altruísta, de presença, de inclusão e … de AMOR
E se o outro não responder ao meu BOM DIA ? … Pouco importa… Eu desejei, porque eu quero que ele tenha um bom caminho…
Para todos nós “Bon Camiño”… Bom dia… Boa tarde … Boa noite!

