Dezoito meses após… cá estamos…
Se em fevereiro de 2020, me tivessem dito que a minha empresa em poucos dias ficaria com quebras de facturação na ordem dos 85% e em certos meses chegaria aos 100%, diria que estavam malucos, que era impossível. Pensar que poderia existir essa possibilidade, faria disparar algum pânico e muita inquietação.
Se me dissessem também que perderia toda a gorda agenda daquele ano, diria ser impossível, pois 2020 era já o melhor ano dos últimos sete anos…
Perante esta hipotética possibilidade poderia imaginar dezenas de cenários dramáticos e estou certa, que arranjaria sempre soluções para evitar perder a agenda e consequente quebra de faturaçao, afinal o foco da produção está sempre na solução, qualquer cenário seria contornável…Só se o mundo parasse isso seria possível e esse era um cenário muito pouco provável.
Na realidade foi o cenário “menos” provável aquele que cenografaria o meu palco nos próximos meses. Pensei em inúmeras possibilidades, apresentei soluções aos clientes … e na medida em que os dias avançavam ficava cada vez mais claro que muita coisa teria de mudar … percebi de imediato que a solução não passava por “encaixotar” Espectaculos de rua em formatos tecnológicos, porque o público que sai à “rua” para ir ver um espectáculo vive um sem número de experiências até chegar ao recinto, e embora nunca tenha pensado sobre isso, era óbvio que cada movimento até chegar à plateia de um espectáculo, faz parte do show, desde a decisão de ir, a sair de casa, jantar, reunir se com amigos , estacionar etc… não me surpreendeu que não entupissem as plataformas de streaming.
Percebi também o quanto permitimos que a cultura fosse usada como instrumento político nas últimas décadas… mas isso abrirá espaço para outras discussões do que é cultura e do que é produto artístico.
voltando ao cancelamento de uma vida profissional , Se me perguntassem em 2020 o que faria se isto acontecesse , talvez o primeiro pensamento fosse, “tenho de fechar a empresa”…
Mas, não foi isso que aconteceu… dezoito meses depois , não só não fechei como me encontrei a lutar com unhas e dentes pela minha pequena UNIPESSOAL “Ana Soares Produções”… meti as garras de fora e decidi que não “mandaria a toalha ao chão”… afinal sempre produzi com consciência social e cultural, fosse humor ou musica sempre fiz questão que o que represento, acrescentasse valor à sociedade, a minha empresa tem uma missão.
Quando em 2005 abracei um projecto de Fado Humoristico, já trazia vinte anos de ligação ao Jazz , à World music, aos cantautores, às recolhas de musica de tradiçao cultural. Sabia bem o que era cultura, vivia nos meio dos intelectuais, e sabia também que o humor apresentado com consciência poderia abrir campo à disseminação cultural. E no caso particular deste projecto que abraçava levava humor e fado extremamente bem executado. Precisava de criar uma boa equipa técnica que me ajudasse a desenhar som e e luz para que o projecto se apresentasse profissionalmente à altura dos grandes projectos.
Em prol desta minha missão, quando o nosso mundo ameaçou desabar em 2020, decidi não desistir e neste momento sou grata e faço justiça ao governo, que olhou para as empresas, as que estavam saudáveis como a minha e lhes deu a mão, permitindo-nos olhar para o futuro com alguma esperança.
Timidamente como pequena empresária juntei-me aos grandes da minha àrea, ao principio achei que não era dali, ma escutei-os e decidi fazer parte. Sei que o meu olhar sobre a produção e sobre o mundo é diferente, mas nunca deixei de me manifestar…
Depois de muito refletir, apresentei uma candidatura para produzir conteúdos. A candidatura foi aceite, normalmente é para os grandes, mete respeito, mas tinha de o fazer. Percebi finalmente a permissa ” é melhor fazer do que não fazer”
Embora nunca tenha trabalhado com dinheiros que não são meus, arriscar era o único movimento, para motivar as equipas, para dar continuidade a um trabalho que ficou estagnado nos ares pandémicos e criar novos conteúdos para o publico que tal como nós ficou privado de cultura…
E neste movimento de criação e produção começou a ficar ainda mais claro que cada um de nós é responsável por alimentar a CULTURA e deixar a melhor marca na sociedade porque , “a CULTURA É tudo aquilo que fica quando esquecemos tudo o resto“… o papel de cada um nesta construção de memória colectiva e enraizamento cultural é fundamental para a evolução das sociedade e não podemos desistir.
Outros conceitos foram surgindo com esta reflexão :
Em Producao cultural potenciar um talento artístico, tem como objectivo disseminar um projecto de interesse para todos. E a esse talento artístico juntam-se talentos técnicos nas mais diversas àreas: Som , Luz, Styling, ; make Up, Cenografia, Video, electricistas, produção, assistentes, etc etc etc. Cada projecto vive dos percursos e experiências individuais de cada um que o formam…
Um projecto só é de interesse cultural quando chega à sociedade e acrescenta algo em prol da evolução do todo: equipas & publico. Caso contrário nunca passará de um projecto de influência em busca de fama através de um talento individual estupidamente venerado e inconsequente sem qualquer utilidade, quer para o público quer para o próprio indivíduo que estupidificará no seu ego.
O Talento pode estar ao serviço da cultura ou de outro objectivo comercial qualquer ….
Olhar em volta e perceber a força com que lutamos pela cultura , deixou evidente o equivoco cometido ao longo dos anos… A cultura vive de arte e talento, mas nem todos os talentos e projectos de sucesso contribuem para o enriquecimento cultural.
Existem os Egos mediáticos, que não são mais do que fantoches de ecran, que se pavoneiam dentro de roupas caras, mostrando uma auto-confiança ostentada em roupas sempre a estrear, enquanto postam frases de sustentabilidade… o EXEMPLO é a melhor frase…vendem a ideia de que o corpo é o que nos superioriza, desfilam em modelos de corpos perfeitos, apelando ao PARECER em em lugar do SER… mostram o que comem e bebem, e vendem produtos no instagram, fazem give away em troca de um par de sapatos… consideram-se credíveis por ter seguidores e likes.. ISTO não é Cultura , é negócio… não é arte é a busca doentia e até “esquizo” por aprovação, por aplausos e reconhecimento social …
A luta pela sobrevivência, de empresas produtoras de espectaculos motivadoras de criação de conteúdos de interesse cultural e artístico, julgo ter contribuído para separar o trigo do joio, e perceber que na linha da frente não pode estar a (des) cultura e a ostentação de egos, a sede de poder PESSOAL e a motivação ao endeusamento “Provisório” de indivíduos, canais de venda de produto. A veneração a figuras publicas “descartáveis” e vazias de conteúdo, faz parte de uma maquina empresarial, … pouco ou nada tem a ver com cultura, se desaparecerem os agentes culturais só restará este negócio de egos .
A construção da cultura é da responsabilidade de cada um de nós…
Cada individuo escolhe de que lado quer estar, mas para isso precisa de ter acesso às várias opções : Educação pela Estupidificação ou Educação pela Evolução.
A percepção clara desta realidade , ou se quiser a consciência de que por muito forte que a maquina seja, precisa do seu contrário, acredito ter sido uma das grandes motivações para não fechar portas e ao invés disso ESCANCARÁ-LAS… Pela Cultura , pela educação cultural e social… Para apresentar conteúdo sócio cultural responsável.
Talvez o Humor seja a forma mais difícil de o fazer, podemos estar sempre no limbo, mas quando resulta e é feito com verdade, não há nada a temer… A brincar a brincar… Levamos CULTURA e AMOR pela evolução de cada um!
