JOKER o filme, levou-me até ao ensaio sobre a cegueira de José Saramago. Livro que retrata a forma como as pessoas funcionam em sociedade, onde ninguém vê ninguém, onde ninguém escuta ninguém. O Livro de Saramago, começa com o relato de um homem dentro do seu carro, parado num semáforo, não arranca ao sinal verde, todos os carros apitam e contestam, achando saber dos motivos que o levavam a não arrancar. Subitamente cegara. Um homem decide ajudá-lo, e leva-o até casa, aproveitando o facto de ele não ver, rouba-lhe o carro e a partir daqui a epidemia começa, com a cegueira súbita deste mesmo ladrão e de uma comunidade inteira.
O ensaio sobre a cegueira fala exatamente da cegueira social e da urgência de aprender a olhar para a nossa essência e não para o que pensamos que somos. Mas Joker vai ainda mais longe. Deixa-nos esta mesma mensagem, mas também a imagem da arrogância e da prepotência, de achar que sabemos tudo o que se passa com o outro e de agir em conformidade com a nossa percepção. Antes de olhar para o outro precisamos de olhar para nós, ter a humildade de reconhecer que a nossa visão do mundo do outro é limitada à nossa pequena experiência.
Sobre a percepção/educação que a sociedade tem em relação às diferenças, há muito para dizer:
Durante dez anos estive casada com um homem com uma deficiência visual. Não foram poucas as vezes que, na presença do meu ex- marido, as perguntas que lhe dirigiam eram por meu intermedio, não tinha nenhum distúrbio comportamental ou mental apenas não via.
As pessoas dirigiam-se a ele, através de mim:
-Ele tem sede ? Ele quer comer alguma coisa ? veja se ele se quer sentar!
Cheguei a responder :
– O meu marido só não vê, mas ouve muito bem , fala portugês e tem vontade própria pode responder-lhe directamente a todas essas questões
Sempre me questionei como seria estar no lugar dele…! E admirava a sua compreensão … mas em casa essa compreensão transformava-se em arrogância e agressão.
Na História de JOKER, assistimos à constante humilhação, desvalorização , gozo e exclusão de um homem que tem um “problema mental” manifestando-se em gargalhadas quando está em sofrimento. Ninguém sabe, nem quer saber das motivações do seu comportamento, todos sub-entendem que sabem o que se passa… cada um na sua cegueira.
No entanto o que ninguém sabe, é que esta diferença ou problema mental, não o impede de ouvir o que dizem, nem sentir e percepcionar a humilhação. No limite como resposta a todos as agressões, decide responder à intolerância, à mentira, à manipulação, ao uso do poder e do sucesso, de forma proporcional ao seu “problema mental”. Joker transformasse num assumido e satisfeito homicida, o agredido que passa a agressor. Tirando a vida a todos aqueles, que o prejudicaram e que vivem da e na mentira, encontra a satisfação e o apaziguamento para o seu sofrimento.
De onde vem o sofrimento deste JOKER ?
Sofrimento provocado por um distúrbio sistémico, igual ao que tantos nós possuímos em silêncio. Um distúrbio ou uma lealdade à figura materna, o “não” direito ao sofrimento por ter de demonstrar felicidade a uma mãe em constante sofrimento…” Mãe que também lhe mentiu e omitiu sobre as suas origens, que se vendeu ao poder, e a quem ele também não perdoa.
Para Joker a vontade de fazer RIR a vontade de querer ver os outros felizes, deixa de fazer sentido , quando para seu espanto, o homicídio que praticou contra três jovens agressores lhe dá a tão desejada visibilidade, é finalmente visto e reconhecido pela sociedade, numa cidade caótica e cheia de injustiças, são muitos os que apoiam a justiça que quer fazer. Um apoio inconsciente, um apoio cego que reflecte a insanidade e inconsciência social em que vivemos, ninguém vai ao fundo da questão, um apoio sem conhecimento das motivações pessoais e individuais, que o levou aos seus actos compulsivos de homicida satisfeito. Quantos dos que o apoiavam não eram também agressores , oportunistas, desonestos e ladrões. O Joker que queria justiça, verdade e humanidade, acaba por ser ídolo da rebelião.
Ontem numa sala com 596 lugares, fiquei curiosa, gostava de saber que mensagem ficou na mente de cada um.
-Afinal “Joker” é bom ou é mau ?
-O que sentiram, todos aqueles que já sofreram na pele o poder sobrepor-se à verdade? ..Prazer… Justiça… ou repudiam a atitude ?
–Quantos os que foram vitimas silenciosas de bullying compreendem esta raiva e aplaudem em segredo, como se vingassem a sua própria dor ?
-Quantos saíram emocionalmente confusos e atordoados , pela ambiguidade do que Está certo ou errado ?
Talvez o Joker represente “metaforicamente” a raiva que cada um tem dentro de si, perante as injustiças de que já foi alvo.
Obviamente que a profundidade da mensagem vai mais além, sobre a forma violenta como resolve, facilmente racionalizamos sobre a atrocidade dos seus actos. Mas de que maneira podemos fazer diferente ? de que maneira poderemos parar este ciclo vicioso de ter de silenciar por falta de poder!? Como poderemos treinar um a nova forma de olhar para o outro?
E não é preciso ser um diagnosticado doente mental para se revoltar ou sentir ridicularizado …como nos governam ?!
O facto de muitos governantes muitos políticos se colocarem acima das pessoas, de não as escutarem ,de não as ouvirem, de apenas ocuparem a rua quando precisam de votos. A grande escala de corrupção e assalto aos dinheiros públicos, os roubos desmedidos, as falências bancárias… os processos que se arrastam com truques para ganhar tempo, quando a verdade está na frente de todos, mas por grandes lobies não podem ser desvendados. O Povo cala-se a tantos crimes contra si… O meu pai muitas vezes dizia ” Vai chegar um dia em que um gajo maluco dos cornos chega e rebenta com aquilo tudo”
A Raiva contida no publico ou povo é libertada em espectaculos, em álcool , em droga, em futebol.
Num espectaculo , um humorista convida o publico a simular o som da explosão de um barracão … e o publico vai dizendo … explode um barracão : PUM … Explode um pequeno barracão : PLIM PLIM … E quando chega à explosão da Assembleia da republica a força e volume voluntário do Uníssono são arrebatadores … Há muito descontentamento e muita raiva em massa… graças a deus que não são doentes mentais! Todos estes crimes que tem retirado qualidade de vida à sociedade portuguesa como seriam vistos aos olhos de um consciente e analista “doente mental” ?!!!
Sobre os bons e os Maus … Sobre os Ricos e os Pobres
No Filme as diferenças sociais são apontadas como os ricos e os pobres, os poderosos e os fracos, mas não é forçosamente assim. Em todas as classe existe integridade , verdade e dignidade assim como o seu oposto. Quando muitos jovens chegam a mim com algum repudio ao dinheiro, defendo sempre que a grande energia do dinheiro pode mudar o mundo e que um homem bom com muito dinheiro fica melhor, um homem mau com muito dinheiro fica pior. O grande problema está no poder que cada um exerce com o dinheiro que ganha e na forma como o exerce e se impõe.
Quando saí da sala de cinema acompanhada por 576 pessoas perguntava-me, o que cada um levaria para casa ? Existe ambiguidade, dualidade , confusão ?
A grande questão que coloquei a mim mesma e a todos os que me acompanharam foi que tipo de Joker és tu (?) quantas Raivas re-primes, quantas raivas escondes nas tuas refeições, quantas Raivas bebes fumas ou danças!? Quantas raivas evitas ter ?
Quantas vezes não dizes o que sentes para não ser excluído! Quantas vezes não defendes aquilo em que acreditas por te julgares sem poder para mudar?! Quantas depressões não compras para não seres quem realmente és!
Há dias li um texto sobre os efeitos do álcool e das drogas que me fez todo o sentido dizia que “o consumo afasta-nos da nossa essência”… A nossa mais genuína forma de ser! Aquela que gosta da verdade, que sofre com a mentira, aquela que quer ser e que sofre com o parecer, aquela que assume as responsabilidades, aquela que se manifesta às injustiças, aquela que defende o próximo imparcialmente , aquela que não aceita calar a algo que está realmente mal…O álcool e as drogas fazem nos alienar de todas as questões do SER, são um relaxante natural que nos afastam da frustração de não viver na nossa essência… um afastamento momentâneo, para muitos é um anestésico diário…
Talvez não fosse má ideia observar este fenómeno crescente junto dos jovens: o que querem adormecer, o que não querem ver ? … o que ninguém está a querer perguntar ?
Quantos JOKERS se estão a formar ?
Vi muitos jovens no cinema, talvez mais de 40% do publico tivesse menos de 20 anos O que levam daqui ?! Como levam daqui ?
Não temos de ser doentes mentais para lutar pelo que está certo , não é preciso não ter nada a perder mas sim ver o quanto a sociedade pode ganhar!
Buda , Jesus ou Gandhi e outros grandes homens do nosso tempo, foram considerados loucos e insanos por defenderem os ideais de uma sociedade com AMOR , o que os distingue de outros, foi o facto de nunca abdicarem da sua posição e da sua crença em prol do bem global. Tiveram sanidade para não ter raiva… acima de todas as ofensas que lhes pudessem fazer, estava a paz e o bem da humanidade. PAZ GERA PAZ … AMOR GERA AMOR
Olha para o outro , para além do obvio… pode evitar a criação de muitos JOKER