A Mafalda tem 45 anos e quer perceber o que a leva a temer os cargos de chefia e a autoridade… sem que tenha um motivo aparente, pelo menos consciente !
A Mafalda , acredita que este medo seja o responsavel por nunca ter chegado a cargos de chefia, por uma unha negra; foi sempre o braço direito, a sub-chefe ou a adjunta de alguém, mas nunca a chefe. E pior que nunca ter acedido ao cargo de chefe, que para ela até é um mal menor, o pior é o bloqueio fisico que sente quando está perante a actual chefe e quer manifestar uma opinião contraditória.
Sobre este bloqueio perguntei-lhe
-Onde se manifesta esse bloqueio fisico ?
-Na garganta é mesmo no centro da garganta… Você acredita que até me dói, como se me estivessem a espetar um pico ! Será possivel ?
-Sabe que o nosso corpo memoriza situações, que podem ter sido “traumaticas” mas normalmente não as temos como traumas. Mas são efectivamente registos/carimbos traumáticos. E como o corpo não se esquece do que lhe aconteceu, em situações semelhantes activa mecanismos que à partida são para sua defesa, mas que com os anos acabam por nos bloquear!
-Está a querer dizer-me que talvez tenha tido outras questões com chefes que me traumatizaram ?
-Pode não ter sido directamente com chefe mas com alguem com a mesma postura ou significado. A Mafalda já teve alguns chefes, mas neste momento tem um chefe com o qual não se está a entender ?
-Sim alem de nao me identificar com a direcção dele, com os metodos dele nem com a forma de se relacionar com as pessoas, não consigo dizer-lhe isto quando me questiona sobre as minhas razões para querer sair da equipa!
-Como caracteriza a comunicaçao do seu chefe ?
-É austero, acha que só ele é que tem razão , levanta a voz por tudo e por nada, não deixa niguem falar !
-Vou pedir-lhe que feche os olhos e que saindo da sua vida profissional, me diga qual a pessoa que lhe vem de imediato à mente mais parecida com o seu chefe ?
Mafalda fez uma pausa longa… Engoliu em seco e …a medo respondeu:
-A minha Mãe… sim a minha mãe, sempre dialogou aos gritos… Eu fazia tudo para não a ouvir e sempre que contestava mais que o que ela considerava, agredia-me!
-Tem medo que o seu chefe lhe bata ?
Os olhos da Mafalda encheram-se de lágrimas e:
-ssss…Mas … que disparate ele não me pode bater, obviamente!
-Esse “ssss” aparece porque o seu corpo não sabe que “ele”, o chefe, não lhe pode bater. O seu corpo tem uma memória carimbada, por alguem que era superior a si ( a sua mãe) e que caso falasse mais que a conta era, agredido… talvez a dor de garganta seja um aviso para a proteger de mais agressões, todos os orgãos do nosso corpo entram em alerta porque reconhecem o sinal … travam-na com picadas na garganta que dizem: “Não te metas nisso, não digas nada!!!!!”
-Isso faz-me todo o sentido…como faço para mudar isso, de repente fiquei mais leve… que bom…
Ter consciência deste movimento é meio caminho andado. Falar com o seu corpo é outra possibilidade, usar da linguagem corporal de empoderamento é outra… Existem muitas formas para comunicar com o nosso corpo, só precisamos praticar e aprender a escutar.
Depois existem outras tecnicas;
Em constelações organizacionais fazemos um exercicio muito simples que dissocia a chefe da mãe ( do pai, ou da figura de autoridade que activa o bloqueio). E depois deste exercicio prático há um trabalho individual a ser feito. Uma desconstrução da significação dada pela criança ferida, a aceitação do sucedido e a superação. Tudo isto passa por uma nova educação emocional. Nós não temos de ser o resultado bruto das nossas emoções, podemos molda-las, alterar, ressignificar, substituir.
A Mafalda após alguma reflexão dizia-me :
-Realmente se o meu trauma, não foi uma coisa grave, como um abuso sexual ou violencia extrema, ou trauma de guerra ou outros piores, porque terei eu de ficar com uma emoção de medo adquirido aos 4 , 7 ou 8 anos e leva-la para a vida condicionando todo o meu percurso ?
Em casos mais normais , proponho sempre que observemos o meio em que fomos criados, as referências educativas dos pais e dos sistemas, a sensibilidade, o conhecimento e também tentar conhecer a história dos ancestrais, porque se não fizeram de outra forma foi porque emocionalmente não o souberam fazer.
No fim a Mafalda ainda me disse:
-Sinto-me quase ridicula de andar sempre a responsabilizar a minha mãe, quando eu já poderia ter mudado isto há mais tempo.
Não é suposto ao superar, sentir que fomos ridículos ou que perdemos tempo. Apenas precisamos de ter consciência e começar a aceder à nossa inteligência emocional. Perceber como funcionamos, como funciona o nosso corpo e as emoções perante os acontecimentos , ter consciencia de que tudo em nós reage ao que nos acontece e que somos uma grande almofada de carimbos emocionais. Alguns desses “carimbos” conseguimos extinguir através desta aprendizagem e auto-conhecimento. Outros “carimbos” tem uma tinta mais forte e precisam de uma intervençao mais especializada. Mas todas as nossas emoções podem ser moldadas, ressignificadas, amenizadas integradas e algumas até amorosamente compreendidas. E depois disso ainda existe a possibilidade de lhes podemos dar uma forma , uma côr , um peso e … Asas para voar para bem longe… A transmutação e ressignificação dos acontecimentos menos bons, durante a nossa infancia é uma das razões para a frase Eriksoniana ” nunca é tarde para viver uma infancia Feliz”
Passada uma semana a Mafalda informou-me que a reunião semanal de equipa tinha corrido muito bem e que quase sem dar por isso, as mãos não suaram nem a voz estremeceu quando foi a sua vez de falar…
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