Esta é uma história diferente… sobre as familias e os mistérios.
Ao longo destes anos tenho assistido ao desvendar de muitas situações familiares e da clarificação de histórias mal contadas. Expressões como; ” Agora tudo começa a fazer sentido” e ” claro isso justifica o porquê de…” são muito comuns, nas sessões de orientaçao sistémica.
O melhor é aceitar que não existem familias perfeitas, porque os homens não são perfeitos…
Porque é dificil perceber que falta sentido ?
Dentro do contexto familiar tudo acaba por ser considerado normal, sempre o conhecemos assim, não questionamos. Geração após geração aceitámos o que nos dizem como verdade e passamos essa mesma história às gerações seguintes. Sem consciência transmitimos mentiras que escondem “a Verdade”. Mentiras que escondem as vergonhas, desilusões, exclusões e decepçoes familiares. Mesmo sem encontrar sentido, não questionamos ou fingimos saber que tinha de ser assim.
Mas… de vez em quando surge alguem mais atento, observador, “Perguntador”… Esta história é um exemplo de como estar atento e com um novo campo de pensamento, pode ser libertador e revelador de grandes mistérios familiares!
O David tem 20 anos e o dom da observação e atenção, procura sentido no que vê, faz perguntas e por isso chegou a uma história que “quase” ficava por contar. Aqui fica o relato da sua grande e libertadora descoberta.
Começou por me contar:
-Desde miudo que sempre achei atitude do meu avô diferente da dos outros avós… é um homem triste mas muito meigo. A minha avó é quem manda lá em casa e às vezes é um pouco critica com ele, é uma mulher muito bonita. Confessou-me que se sentia triste e cansada por o meu avô não lhe ligar nenhuma! Quando que lhe disse que talvez fosse assim por o avô estar cansado , respondeu-me:
Avó -Não é nada filho, ele sempre foi assim, ele nunca se dedicou a mim… parece que perdeu tudo em miudo. Quando o conheci não era muito diferente, era triste e diferente dos outros rapazes, muito respeitador… Demasiado até! Se eu não quisesse casar depressa para sair de casa dos meus pais, acho que tudo tinha sido diferente, o teu avô é um homem muito estranho!
Perguntei-lhe: -O que é isso de o avô ser um homem estranho ?
Avó -É estranho, pronto, como não tive outro homem não sei a diferença … só sei que é estranho!
Depois desta conversa com a minha avó fiquei mais atento aos comportamentos dele. E realmente ele é um homem que parece que nunca está cá…
Interrompi a sua historia dizendo-lhe:
-Existem muitas coisas da vida dos nossos que não sabemos… assim como nós temos a arte de esconder questões das nossas vidas e mascarar a realidade, não é dificil perceber que os outros fazem exactamente a mesma coisa!
-Sim foi isso mesmo que percebi e fui supreendido- respondeu entusiasmado pela novidade que tinha para me contar – Há uns dias a minha avó estava a refilar com ele e para a coisa acalmar, fui com ele (avô) para o jardim… Face à discussão, acabei por dizer ao meu avô que achava que ela era uma chata e para minha surpresa ele interrompeu-me e a conversa começou:
Avô-A tua avó tem razão, não pelos disparates que está a dizer agora, mas pelo estado de zanga e cansaço em que a coloquei toda a vida. Fui o melhor que consegui, mas não fui um bom homem, estou muito longe da função de um homem numa relação!
-Avô não me vem falar da traição de hà 40 anos ? – interrompi porque a conversa era antiga nas discussões deles.
Avô -Não filho , a traição já foi uma tentativa para tentar resolver uma questão minha…
-Não estou a perceber avô !
Avô- A traição aconteceu para que eu me definisse, a tua avó não teve responsabilidade nenhuma nisso, tentei ter com outra mulher o que não conseguia ter com a tua avó… insisti numa sexualidade que não tinha..
-existem muitos homens com problemas sexuais avô!
Avô- É mais complexo que isso – fez uma pausa profunda – Vou falar-te de uma coisa que nunca falei com ninguem.
David- Ok …
Avô- Sabes que toda a vida me senti um perfeito anormal, desde miudo só gostava da companhia de senhoras, não me sentia enquadrado nas parvoices dos rapazes da minha idade. No meu tempo, não existia informação, ninguem falava sobre sexualidade, diziam que eu era calminho. A certa altura, deveria ter a tua idade tentei ir para um seminário, mas fiquei muito doente e não consegui. Cresci assim, nunca pensei em raparigas, toda a gente achava que eu era respeitador, um rótulo socialmente confortável, mas o que queria era distancia da possibilidade de relacionamento com o sexo oposto.
-Então porque casou com a avó ?
-Filho, tinha de casar… A tua avó era sobrinha de uma amiga da minha mãe, vivia numa cidade do concelho vizinho. Veio de férias num verão e fomos a um baile. Falamos muito e mostrou-se interessada em mim e eu gostei muito de estar com ela, porque não me pressionava… Depois disso, cada um na sua cidade, começamos a corresponder-nos por carta , pedi-lhe namoro e mais tarde casamento, sempre por carta. Casámos sem nunca nos termos tocado. Foi já dentro do casamento que percebi que algo estava errado comigo sexualmente …foi uma frustração toda a vida.
-Avô posso fazer-te uma pergunta ? mas não te zangues comigo , por favor !
-Vai perguntar-me se sou homossexual ?
-Sim era isso ! desculpa!!!!
-Não faz mal … Eu não sei se sou homossexual filho. Sei que não gosto de sexo com mulheres. Mas nunca me atrevi a olhar para a minha “homossexualidade”…
-Como conseguiste viver assim a vida toda ?
-A minha maior alegria são os filhos e os netos… As pessoas criticam, mas quando vejo os homens solteiros homosexuais a quererem ser pais, acho normal. Ser pai não tem nada a ver com ser homosexual ou heterossexual, ser pai é um direito que temos enquanto homens e para isso não deveria ser preciso viver com uma mulher! Respondendo à tua pergunta, acho que consegui viver a vida assim porque a tua avó me deu a coisa mais importante da minha vida: os Filhos, agora netos e …a amizade dela …Eu sei que ela me acha estranho, mas deixou-me estar, ela ajudou a manter-me socialmente normal… nunca tive coragem para perceber quem sou sexualmente…
-Avô foi por isso que aceitas-te tão bem quando vos disse que sou homossexual ?
-Sim filho , só quereo que sejas feliz. Aceitei por saber o quanto a sexualidade pode ser castradora e acima de tudo porque não gostava que perdesses o sorriso e a vontade de viver plenamente.
-Se pudesses assumias-te ?
-Agora ? …Não… até porque… vou assumir o quê ? … Que não gosto de mulheres ? Eu não sei quem sou sexualmente. Pode ser que numa proxima vida descubra. Entretanto deixa a tua avó refilar à vontade, ela tem razão, foi uma boa companheira…É chata, mas é uma boa Amiga e foi uma boa cumplice!
-E tu foste um Herói avô… Se não tivesses sacrificado os teus sorrisos eu não estaria aqui!… e afinal tu e a avó tem uma bonita história de amor e protecçao… só é pena que cada um viva essa história em silencio.
-Tens razão filho, é uma história de amor sim, que nunca tivemos coragem de partilhar um com o outro! Não sei porquê… eu aceito as zangas dela e ela aceita as minhas falhas… Zangada, mas aceita…
A historia fica por aqui … e ficam tambem algumas questões:
Quantas vidas ficaram sem sorrisos nas geraçoes dos nossos pais e avós pelo medo da discriminação social por serem diferentes do que se considerava normal ? pelo medo do julgamento da religião ? Pelo medo da rejeição familiar ? Pela escolha entre a possibilidade de ser Pai ou não ser ? Quantos casamentos inglórios se arrastaram por decadas… Quantas vidas perdidas a lado do sexo errado ? E a ultima não menos importante : Quantos heróis andam por aí sem saber que o foram ?!
Provavelmente muitos netos, como o David, fazem justiça a essa condição e cumprem pelos avós o direito a ser quem sentem que são sexualmente. E provavelmente muitos avós, ficam aliviados e gratos pela coragem dos seus descendentes.
Assim se desvendam misterios e assim se encontra sentido para os movimentos dos nossos. Sabemos nada do que se passa com cada um…
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