Março de 2021. Passado um ano confinada e com actividade empresarial parada, tenho a primeira reunião de trabalho presencial... há um ano atrás ter um reunião, nunca motivaria uma reflexão… mas num ano tudo mudou no meu sistema. Aliás, no sistema de todos nós.
A Neurociência esclarece que são necessários 66 dias seguidos de um novo hábito, para que este se instale nas nossas vidas e se torne uma rotina… Nesta perspectiva, não é dificil perceber, os milhares de novos hábitos que foram impressos nos sistemas sociais, no ultimo ano e que vao gerar novas realidades.
Haverá certamente, quem estude estes fenómenos daqui a uns tempos…
Voltando à reunião, percebi na sua preparação, que me desabituei de estar com pessoas. Para além do meu agregado familiar, este ano cruzei-me com pontuais funcionários de entregas, dos CTT e com alguns vizinhos …
Recordo me que há um ano escrevia sobre como o confinamento me tinha trazido algum descanso dos relacionamentos habituais e alivio… agora voltar a vincular-me é algo completamente novo… isto de confinar e desconfinar , não é somente operacional é um processo que apela à inteligencia Emocional.
Vivi-o agora e é um tema que me tem sido apresentado por muitos clientes.
CONFINAR & DESCONFINAR é emocionalmente um grande Desafio…
Ao longo destes meses, clientes em sessões de Coach e Orientação Sistemica, surgem com a preocupação e inquietação, com o regresso à rotina anterior… Quando pensam no regresso à normalidade, tem receio de perder a qualidade de vida conquistada com o confinamento e acima de tudo a calma face aos relacionamentos. E este receio é transversal , tanto dos que estão em casa, como dos que estão a funcionar nas empresas, mais tranquilas.
Foi comum ouvir ao longo deste ano observações como :
“É bom estar em casa e não ter de me cruzar com A, B ou C”,
“já nem me imagino a ter de me vestir todos os dias de forma formal” .
“ter de encarar com o meu chefe todos os dias…”
“O barulho de entra e sai da empresa era inoperante”
“Não ter de ir almoçar à pressa”
“Ter de justificar porque cheguei 10 ou 15 minutos atrasado por causa de um acidente”
” participar de conversas sobre o carro que o outro tem ou não…”
“Sinceramente já nem me vejo a ir para o escritorio todos os dias… “
” O tempo que perdia-a no transito.Ter de andar ao frio é à chuva nos transportes.”
Estes relatos revelam que o confinamento nos libertou de grandes pesos e da obrigatoriedade de relacionamentos pouco saudáveis. Alem disso é comun perceber que muitas pessoas estavam saturadas do ambiente profissional, de clientes, dos colegas de trabalho e dos olhares reprovadores ou aprovadores do seu outfit do seu modo de estar ou de falar, do que tem ou não tem…
O Que fazer perante a ansiedade do regresso ?
Se o regresso à normalidade causa ansiedade, precisamos de perceber pelo que ansiamos ou receamos ? Quais as nossas expectativas em relaçao aos outros e qual o nosso receio das expectativas dos outros em relação a nós…
Se confinar me trouxe alivio e desconfinar me está a trazer ansiedade, preciso de encontrar um novo comportamento a ter fora de casa ou na presença de outros…
Talvez estejamos perante a oportunidade de criar uma nova forma de nos relacionarmos, de olhar para o outro e de nos apresentar ao outro.
Na verdade toda a mudança está em nós.
E a primeira grande questão antes de avançar é que cada um perceba que esta ansiedade em desconfinar é um processo normal, sentido por todos aqueles que sofreram uma grande transformação. A boa noticia é que somos muitos a sentir a mesma coisa.
E talvez esta ansiedade não necessite de ansioliticos, mas apenas de ser compreendida, integrada, incluida e transformada numa nova forma de nos relacionar
Os Motivos da ansiedade ao voltar aos relacionamentos podem estar directamente ligadas ao alivio sentido quando confinamos. Sentimos alivio porque deixamos de estar em esforço, ter de agradar todos os dias…
Inconscientemente criámos nas ultimas décadas um sistema de “escravatura” baseado na aceitação e aprovação social.
Talvez este isolamento nos tenho permitido regressar a NÓS.
Podemos começar a fazer um trabalho de casa e tentar responder às seguintes questões:
Quanto importancia dou às opiniões de outros ?
Quanto para mim vale (numa escala de 0 a 10), o que os outros pensam sobre mim ?
Quantas vezes por dia era diplomaticamente correcto com vontade de explodir ?
Para ser aceite adaptei ou anulei-me ?
Que codigos uso na minha apresentação ao outro e com que intençoes ?
(tente responder a estas questões com honestidade)
Talvez o confinamento seja uma excelente oportunidade para baixar os Níveis de importancia e de Aprovação que o “outro” tem na nossa vida e que nos cria ansiedade e stress….
Talvez o confinamento nos permita perceber o quanto o nosso “bem-estar” Emocional dependia da opinião alheia,
Talvez até seja possivel perceber o percentual de importancia que os outros estavam a ter em todas as nossas escolhas … Ou melhor,
Talvez o confinamento nos DESPERTE do deslumbramento de ter de “seduzir” o mundo para nós , em troca de nada mais do que, ansiedade e preocupaçao excessiva com o nosso PARECER em detrimento do nosso SER.
Em tempo de pandemia quando alguem chega com esta questão a proposta que faço está descrita no quadro abaixo. 1- Registar os campos de preocupação com as opiniões alheias na nossa vida, 2 -Registar para cada campo a percentagem de preocupaçao antes e durante o confinamento.
O objectivo é reencontrar o equilibrio e o percentual ideal de preocupaçao relativo à aceitação do outro.
Gostamos de agradar e temos de nos relacionar e ajustar, mas chegámos a um extremo em que nos fazemos mal uns aos outros, pelo excessso de critica, jugamento e arrogância. As relações são poços de ansiedade.Um extremo de falta de liberdade e de expressão pessoal, que castra as nossas maiores capacidades: Criativa, Emocional e Evolutiva.

O Carlos por exemplo acha fabuloso conseguir ir ao lixo de chinelos e fato de treino, antes do confinamento era impensável, sair á rua assim.
A Luisa continua preocupada com o cabelo mas reconhece que já não se zanga tanto, o indice de preocupaçao é só consigo mesma e por isso sente menos stress.
A Clara engordou cinco quilos e pela primeira vez não sente panico por isso, confessa que não ter de ouvir se está mais gorda ou mais magra é um alivio.
O Pedro estava obcecado com o carro que iria comprar, o carro com que chegaria aos clientes era uma preocupaçao, neste momento sente-se aliviado.
Fazer este exercicio, permite contabilizar o peso que os olhares dos outros tem sobre nós e os niveis de “STRESS” social que provocam e com os quais nos habituamos a viver quase de forma natural. Estas preocupações excessivas com o “OUTRO” são SUBTIS e discretas mas uma fonte inesgotavel de ANSIEDADE e mau estar. As experiências de relacionamento, não nos deveriam consumir a niveis tão altos como aquelas que cultivamos nestas ultimas decadas. Existem relacionamentos que não temos de ter, não temos de ser eleitos por todos, assim como não elegemos todos. E saber viver com essa realidade traz uma enorme paz.
Costumo dizer que embora estejamos todos no mesmo mundo, continente, país, empresa e até na mesma casa, vivemos muitas vezes em mundos e niveis de compreensão diferentes.
Há uns dias encontrei uma caderneta antiga com um grande molho de cromos. O meu avô tinha uma reprografia e trazia as sobras. Fiquei feliz e com vontade de colar os cromos na dita caderneta. Quando comecei a tirar os cromos das saquetas percebi que os cromos eram dos “Simpsons” e a caderneta dos “Flinstones”. Embora ambos tenham uma história fantástica e criadores brilhantes, não foi possivel encaixar os cromos Simpsons na história dos Flinstones e … Está tudo certo… Se o fizesse a Historia ficava sem sentido…
Metaforicamente este é o fenomeno que acontece em muitos dos nossos relacionamentos por obrigação. E não há mal nenhum não conseguir encaixar.
Sobre a ANSIEDADE a desconfinar ….é normal, mas quando ganhamos consciências dos porquês vamos seguramente mais fortes e certos do rumo a tomar.
t