Desde os meus dezoito anos que vivo em duas frentes de paixão profissional: o meio artistico e o meio social e emocional.
Se durante alguns anos foi dificil ligar os dois, com o tempo fui levando de um para outro recursos e conhecimento. Hoje não é possivel olhar para um sem olhar para o outro e assim desenvolvo mais uma visão sistémica…
Quando o FIO do tapete se parte há que olhar para o todo. Partir para a acusação reactiva e impulsiva, além de perigoso é redutor.
O olhar sistémico procura sentido para o que acontece. Procura relação entre as partes, investiga e faz perguntas. A acusação e a critica, com base na experiência empirica, regra geral turva a informação, por isso descarta-se a acusação e a critica desta forma de olhar.
Um exemplo pratico de convite ao pensamento sistemico, aconteceu há dias:
Após a manifestação de uma associaçao dos tecnicos de eventos, muitas pessoas se mostraram indignadas com a fraca participação, especialmente de artistas:
“Não percebo porque os artistas não vieram, querem ficar em casa a tirar selfies com grandes poses, parecem ter medo de mostrar vulneráveis.”- Criticava um tecnico
Ao criticar assim, arriscamos-nos a reduzir a questão a raivas e impulsividade do momento:
Com a pandemia o meio artistico está em grande reboliço. Percebemos que viviamos num sistema organico funcional mas completamente desorganizado. Para tentar colocar ordem, durante 2020, diversas estruturas criaram associações para representar os interesses dos diversos sectores do meio, perante o governo. Este novo movimento associativo, embora necessario, veio tambem gerar alguma dispersão
Visão Sistémica sobre o novo movimento associativo
No meio da CULTURA as equipas foram sempre vistas como um só. A produção, tecnica e artistas diluíam-se uns nos outros, a organização é muito organica. Há distinçao de funçoes mas não de sectores.
A unica excepção que vivi nesta dinamica foi na EXPO 98 da qual fiz parte da coordenação de produção da unidade dos espectaculos. Esta feira internacional, foi a primeira estrutura organizada dentro dos espectaculos, onde todo o meio artistico estava dividido por sectores. Foi talvez a unica em que os sectores só se tocavam através dos seus coordenadores. Voltando atrás recordo-me bem desta dinamica e da separação que criou no meio. Recordo-me também que no PÓS EXPO , voltar à estrada e à unidade foi estranho. Tinhamos de viver novamente misturados.
Talvez neste momento a criação de tantas associaçoes de cada sector dentro da area da Cultura esteja a dispersar o grupo GERAL e talvez a dificultar posicionamentos. Talvez estejamos perante uma dificuldade de pertença. E não podemos criticar ou julgar os que não se posicionam, talvez apenas por se sentirem perdidos…
O mais importante é encontrar formas de esclarecer e trazer para a luta… Não saber como se posicionar, pode ser uma das dinamicas que tenha levado à não participação dos artistas na manifestação.
Mas podem existir outros motivos para a não mobilização. Claramente existiu um informação subtil, de não pertença, sentida por todos
A esta abordagem o tecnico retorquia :
-Eu acho que são nariz empinado e querem passar uma imagem de intocáveis..
-Não pode ser – respondi- tem de existir outros motivos, eles estão sem palco , sem publico , não acredito nisso…
-Mas os Xutos foram! – insistia
Pensei na dinamica dos Xutos e Pontapés, uma banda em autogestão, que há muitos anos tratam da sua carreira e estão por isso diluidos em todos os sectores, tem na familia Xutos muitos tecnicos, e acima de tudo agem no meio sem necessitar de intermediários.
Esta visão levou-me para outro movimento ” Qual a relação entre Produtores, Tecnicos e artístas” ?
– 95% dos grandes projectos nacionais , são representados por agentes , produtores e managers e ao longo destas decadas os artista apenas apareceram em momentos chave.
-As equipas tratam de todas as questões para que tecnicamente, nada falhe à chegada do artista
-Os Road Managers garantem todo o conforto e condições para que o artista na hora do espectaculo dê o melhor ao publico.
-As agencias garantem trabalho e tudo fazem para que o artista tenha rendimentos ao fim do ano.
Talvez a classe artistica esteja ainda presa na visão anterior à pandemia, talvez estejam a aguardar que os produtores, managers e tecnica solucionem as questões para que eles possam trabalhar, porque essa é a dinamica que conhecem.
E depois, não menos real, existe o medo da conotação politica às manifestações, e a preservação da sua imagem, um paradigma antigo o receio da colagem da imagem a interesses politicos…
Podem existir outros motivos mas numa curta abordagem sistémica encontramos quatro factores, que podem ter contribuído para a ausência massiva da classe e aos quais não podemos fechar os olhos:
-Por não saberem como se posicionar no movimento ASSOCIATIVO
-Por viverem ancorados ao SISTEMA ANTERIOR de gestão de carreiras
-Por medo de conotação politica
-O direito a não manifestar por questões ideológicas (não se rever na associação organizadora)
Esta consciencialização pode ajudar a uma aproximação da classe, à luta desencadeada por todas as associações, que só trabalham se existir criatividade artistica e vice versa.
Não podemos fechar os olhos ao Sistema de relações criadas entre artistas e managers, à dificuldade de novos posicionamentos associativos e envolvimento politico. São realidades assumidas durante décadas.
Se é preciso a participação dos ARTISTAS há que comunicar que precisam fazer diferente, estamos num novo tempo e os MANAGERS , PRODUTORES , AGENTES , TECNICOS ,e ARTISTAS estão todos no mesmo barco… O SHOW não vai acontecer…
MANIFESTAR não é politica mas sobrevivência, o meio está “desorientado” precisamos de nos “re-orientar” e reencontrar o nosso ponto de UNIÃO … Prescisamos de nos voltar a MISTURAR…Mas temos também o direito a não nos manifestar!
A Visão sistémica tem o FOCO NA SOLUÇÃO… A critica é apenas critica e na maioria das vezes injusta, empirica, impulsiva … vazia de sentido construtivo e acima de tudo muito vazia de conhecimento…
Precisamos de Educar para a Visão Sistemica e se possivel deseducar para a critica embrutecida…
