“Oh Ana o teu pai colocou os brinquedos do Tomas na máquina de lavar a loiça, é normal?”
Estávamos no final de 2003. O Tomas tinha dois anos e a pergunta do meu marido, que por sinal sempre foi um pouco alienado , deixou me a pensar, porque motivo ele teria colocado os brinquedos do miúdo na máquina de lavar …quando perguntei o meu pai ficou surpreso:
– Eu ? Deves estar doida , porque o faria ?
Percebi que o tom dele era sério , que “já” não sabia que o tinha feito e brinquei com a situação :
– pois se calhar até fui eu !
– Admira te muito , ou já te esqueceste do episódio do musgo de natal que colocas te na sopa porque pensavas que era caldo verde ???
O riso foi geral , porque este episódio era popular la em casa . Poucos dias antes do natal a minha mãe discutiu com o meu pai, acusando o de se ter esquecido do musgo na banca da florista. Na verdade o musgo foi confundido por mim e deitei o na sopa, o homem não tinha culpa nenhuma , coitado!
Desta vez a história era bem diferente. Mas deixei cair o tema e fiquei atenta aos próximos sinais. No casamento de uma das minhas irmãs um charuto foi apagado na mala de mão, de uma senhora e… o carro que em trinta anos nunca tinha sido batido , todas as semanas algo vinha contra ele…
Convencer alguém que nunca esteve doente a ir ao médico por algo que não se vê é difícil mas avançamos para um check up… e neurologia… talvez parkinson, talvez uma demência…
De onde aparece isto , é o que todos queremos saber. Como aparece ?
A alimentação em casa dos meus pais era farta e saudável , azeite da terra, carne só de confiança e peixe do marido da peixeira que era pescador com embarcacao própria , a fruta vinha às caixas do produtor, caixas porque nós éramos sete filhas. Os meus pais eram conscientes sobre o poder da alimentação enquanto o nosso primeiro medicamento. Talvez por acreditar que eles sabiam de tudo, as minhas perguntas surgiam de forma naif e ingénua. Na realidade é face aos seus hábitos , não fazia sentido esta degeneração.
Infelizmente ou felizmente a demência foi galopante e um lar especializado e vocacionado para doenças neurológicas degenerativas , numa das zonas mais bonitas de Sintra, teve vaga para o meu pai. Precisava de assistência continuada.
Um lar no meio da natureza , um lugar de paz , longe de toda a confusão do mundo. Era o mínimo que poderíamos fazer. O Dono deste lar era um estudioso e investigava as origens destas patologias. Um dia perguntei lhe:
-Dr como é possível ? o meu pai sempre foi saudável , sempre se alimentou com cuidado, isto não faz sentido nenhum…
Dr Luis interrompeu me ;
– sabe Teresa , o pai assim como muitas pessoas que aqui estão , são demasiado novas para esta degeneração e muitos estudos levam a crer que a geração deles foi alvo de muitas experiências , a escassez do pós guerra , e a necessidade de alimentar cada vez mais pessoas, levou á criação de adubos e fertilizantes de terras sem controle adequado, tarde demais foram retirados do mercado por terem compostos demasiado tóxicos para o corpo humano , experiências feitas em animais , com estes fertilizantes, revelavam a morte e degeneração em poucos meses e quando ratos degeneram com as experiências de laboratório, é certo que esses efeitos serão espelhados no ser humano mais cedo ou mais tarde .
É da terra que surge tudo…e vai para todo o lado através de lençóis de água , pastagens etc. Muitos estudos estão em desenvolvimento nesta área , mas obviamente que com muita cautela, por causa de todo sistema económico.
– mas isso nunca se falou porquê?
Mais uma vez a minha ingenuidade. E a resposta foi clara :
-Talvez porque continuam a ser os mesmos a tomar conta da alimentação mundial e reconhecer um erro desses é perder poder ! É uma complexa indústria a da alimentação .
Ninguém quer colocar questões …
Quando em 2009 o meu pai foi internado na Cuf, com uma grande escara que teimava em não fechar, fui chamada ao bloco para assinar um termo para a amputação do seu pé, nessa altura a ingenuidade deu lugar a outro tipo de postura:
– mas tenho de assinar porquê? Não é uma cirurgia necessária ? – perguntei
– é mais fácil para resolver a questão – respondeu a médica – e além disso o paizinho com a patologia ( demência )nem vai dar por isso ! – respondeu a médica
– Se há forma de não lhe amputar o pé, então é por aí que vamos ? como sabe que ele não vai dar por isso ? O meu pai está emocionalmente vivo , reconhece o corpo … como pode afirmar isso ?
– Na realidade não posso … se é assim que quer assim será feito … á sua responsabilidade!- respondeu me um pouco de esguelha.
– qualquer uma seria à minha responsabilidade , certo ?
-certo .- respondeu
-á minha responsabilidade , o meu pai deverá ter mais um ano de vida e não vou permitir, que não tendo se ser , que morra aos bocados.
O meu pai recuperou da reconstituição em três meses e morreu um ano depois… inteiro. A demência tirou lhe peso, expressão, estava irreconhecível mas meigo como sempre foi. Ao contrário do que diziam, que ficaria agressivo , foi sempre meigo , um homem bom não fica mau com uma demência. Todos gostavam dele mesmo demente … era bom que não se lembrasse do tempo porque assim não saberia que ali estava tanto tempo sem nós…
Comecei o meu caminho pela alimentação consciente com os meus pais… aos dezassete anos comecei a introduzir macrobiótica e vegetariana…
Tenho ao longo dos últimos anos acompanhado inúmeros estudos sobre a alimentação , sobre a criação de animais para o mundo , sobre os peixes de viveiro, sobre a inconsciência e a ganância de quem detém a alimentação mundial nas mãos. Cientistas perseguidos por não assinar estudos e recusam ignorar modificações genéticas em animais , que estão nas montras das peixarias e dos talhos. Sobre o negócio das sementes transgenicas patenteadas por empresas para que mais ninguém lhes tenha acesso , a destruição dos solos por essas mesmas sementes , o suicidio de milhares de agricultores na Índia por a destruição dos seus solos por estas sementes . Estudos sobre o açúcar em excesso em todos os alimentos , o abuso do trigo e do Gluten para dar consistência a alimentos processados … e depois ou em simultâneo a inconsciência de se destruírem habitats de orangotangos , desflorestamento milhares de hectares de floresta pura , para o cultivo de palmeiras para o óleo de palma que serve a indústria em alimentos que se observarmos bem , não servem para nada da nossa boa nutrição …
As minhas perguntas levaram me a muitos lados , leio , acompanho muitos estudos de diversas fontes , faço perguntas … quero saber … preciso de saber… para quem se interessa e quer saber existem milhares de artigos , vídeos , investigações, a Netflix vai tendo disponíveis muitos conteúdos.
Quanto à minha alimentação e hábitos ambientais sempre tive muitas críticas, resistência gratuita , gente a colocar me em questão sem qualquer fundamento: ou porque a reciclagem é uma falácia, porque ser ambientalista destrói a economia, quanto aos alimentos , acreditam que se está a venda é porque foi aprovado , que as empresas são sérias , que sabem bem o que estão a vender , que os alimentos são seguros, que alimentos processados não nos fazem mal, que tem selo de garantia… Que somos carnívoros e sem carne não temos saúde , que por ser para alimentos para o homem , a desflorestacao é justificada seja para gado seja para óleo de palma, milho ou que for…
A resistência aos meus hábitos sempre foi forte . Ate a minha prática de meditação que consideram sem utilidade.
As frases são sempre as mesmas… “ vais morrer saudável ao menos eu desfrutei “… “
Talvez morra saudável ou doente como o meu pai … mas saio daqui do mundo com muitas perguntas feitas e algumas respostas e sou realmente responsável por cada passo que dou e se não sei mais é porque o acesso está vedado e nesse sentido , aceito e tento fazer o que sinto ser melhor para mim e para o mundo!
Quanto às perguntas , sempre fui assim. Já o meu pai contava :
– Quando ia buscar a Teresa a escola não me deixava um minuto calado , raio da rapariga queria saber tudo … e nunca aceitava um PORQUE SIM ou PORQUE NÃO … um Come e cala te !
Sou chata sim …Ainda bem , e tu meu pai foste inteiro e eu gosto muito de saber que fiz o que estava certo…
