O dialogo social é importante. As redes sociais são fantásticas para promover esse diálogo e conhecer diversas visões sobre um mesmo assunto. Mais do que procurar razão, gosto de olhar para a diversidade de opiniões e pontos de vista, todos carregam experiência, visão individual e informação sobre as dinâmicas em que cada um se movimenta.
Quando temos humildade, para ler os textos dos outros, percebemos que as suas reflexões estão cheias de sentido e de informação sobre o seu contexto. A grande arte da compreensão está em identificar e isolar esse contexto , são poucos os textos que analisam a questão de forma global ,porque esse exercício regra geral retira força à nossa posição individual.
Por outro lado , a informação dos outros pode ser a que nos falta, para abrir o nosso campo de reflexão e alargar os próprios horizontes. É nesta relação que conseguimos olhar para o todo.
A pandemia e a paragem de 2020 ditou uma viragem no humor e como produtora, desde que regressamos ao activo em 2021, observo e deteto as mudanças no publico, no estilo de humor e nas reações. Já abordei esta questão com alguns produtores e humoristas e é unanime a percepção de que algo está a mudar.
O episódio entre actor e humorista na noite dos Oscares vem dar força a essa percepção e acabou por impulsionar o diálogo, sobre o papel do humor na sociedade e sobre os limites do humor e da sensibilidade das pessoas a determinadas abordagens.
Ter sentido de humor não é obrigatório… gostar de humor não é obrigatório… ter de acatar uma brincadeira só porque alguém lhe apetece brincar com uma condição alheia, não é obrigatório. No entanto essa é a posição que muitos humoristas ocuparam nas últimas décadas com a explosão do mercado humorístico.
O humorista não é o palhaço da turma, um abusador da confiança alheia, inconveniente ou insensível, pouco desperto e pouco atento ao outro , que brinca em momentos constragedores, sem noção dos limites, sem percepção de que o outro não estava para aí virado.
Ser profissional do humor requer um conhecimento maior sobre o funcionamento do ser humano e acima de tudo mais do que qualquer outro actor social , deve estar muito atento ao mundo que o rodeia, porque mais do que qualquer outra área artística, o humor acompanha o movimento sócio cultural em tempo real. Se não se apercebe da mudança corre sérios riscos de ser cancelado.
O limite é o sucesso do humorista, a discussão está invertida. É quando um humorista testa os limites que consegue conquistar o público e ter a aprovação através de gargalhadas. Nem todos podem dizer tudo , nem todos sabem dizer tudo, o público é quem escolhe de quem se quer rir. O RISO é um movimento perfeito entre público e humorista mas um movimento em constante mudança e neste momento a mudança atingiu um pico maior que o normal.
Humoristas estão na moda e surgem novos todos os duas e nem todos tem a responsabilidade nem conhecimento do papel sócio educativo do humor nem dos estímulos que podem alimentar. Quem tem um microfone nas mãos e perde a consciência do papel grandioso que o humor deve ter para com a sociedade, está a denegrir uma das artes mais nobres e necessárias para o bem estar social.
Para um profissional de Humor deverá existir limites para o Humor ?
Para alguns “homens” e “mulheres” Humoristas com experiência , deslumbrados e cheios de si mesmo, esquecidos ou já sem consciência do peso das palavras e do Humor , SIM PARA ESSES OS LIMITES SÃO NECESSÁRIOS e FUNDAMENTAIS … Para outros homens e mulheres humoristas, mais conscientes da força construtiva e destrutiva do humor , NÃO são precisos limites, os próprios tem inteligência emocional e sabedoria sobre os limites e até onde podem devem ir, dentro de determinados contextos. São estes que perduram nos tempos.
Quando o público compra bilhete para o espectáculo do Humorista, já sabe ao que vai, o Humorista fica livre e pode extrapolar todos os limites por si entendidos, afinal a pessoa está predisposta , só foi porque quis… no limite levanta-se e sai da sala.
Por exemplo em eventos corporativos (festas empresariais) exige-se um maior cuidado e controle com o que se diz. Tudo é acordado com o cliente e o Humorista quando aceita fazer este trabalho recebe directivas/limites concretos, para não ferir susceptibilidades sobre pontos que o director, já se sabe à partida serem sensíveis.
Quando o humorista é integrado num evento publico, transmitido para milhares de pessoas, talvez seja importante estabelecer alguns limites…Não é incomum o humorista avisar previamente um convidado sobre uma piada que vai fazer a seu respeito, o que evita o impacto reactivo ou até mesmo um mal entendido. A minha experiência com diversos clientes e públicos suporta esta visão.
Hipocrisias à Parte , em televisão o humor sempre foi balizado , quem acredita que tudo sai como sai , está a ser ingénuo… Qualquer programa de humor tem os textos visionados e quando não tem é porque o humorista já sabe onde deve e onde não deve tocar, pelos contratos que tem firmados com o canal.
Há limites para uma Reacção/resposta a uma piada humorística ?
Quando vamos a um espectáculo de humor, estamos predispostos ao humor e como publico estamos preparados , caso algo nos choque, abandonar a sala é o limite aceitável!
Quando um humorista integra um evento, como colaborador ou apresentador, o caso muda de figura e podemos dizer que trabalha sem rede, o publico não foi lá para o ver, pode por isso ser mais reactivo , ele é apenas uma das figuras do evento. Podemos assistir a todo o tipo de reações; respostas com limites, ser vaiado, silêncios, respostas diplomáticas, ou respostas sem limite: agressões verbais e físicas. Aqui existe o risco de activar gatilhos e respostas emocionais completamente fora de controle, depende dos dias de cada um e talvez tenha sido este gatilho que foi activado na noite dos Óscares.
Se há limites para a resposta , deveria haver SIM a Violência física, nem mesmo a verbal NUNCA deveriam ser reacção. No entanto estaremos a ser “.românticos” e líricos se dissermos que não pode acontecer, porque respostas impulsivas e agressivas acontecem todos os dias entre seres humanos …
O Humorista trabalha num delicado carrossel emocional…Ter limites não limita o trabalho do humorista, de alguma forma desafia a inteligência emocional, desenvolve a percepção e afasta a piada fácil! Se observarmos bem sempre foram os limites que estimularam a criação de textos geniais , a dissimulação , a dualidade , o contornar o sentido das palavras. Talvez essa noção SEM LIMITES tenha estimulado o aparecimento de maus textos e de piadas iguais entre humoristas, falta de criatividade , ataques à vida pessoal de figuras públicas sem precedentes , sob a máscara do humor
Os Roast por exemplo mascaram se de humor, são o treino para respostas a agressão verbal … a intenção é provocar reacção negativa no Outro… uma má utilização do humor na minha opinião … se não mexesse com a reactividade e impulsividade das pessoas, o Roast não teria lugar no panorama do entretenimento ( absurdo) e mesmo nestes os textos são preparados previamente por profissionais!
No livro “O RISO” Henri Bergson , refere que para rirmos de algumas situações temos de abdicar das emoções cito…”o cómico para produzir o seu efeito exige qualquer coisa como uma anestesia momentânea do coração”
O humor é um assunto complexo… a discussão não pode ficar apenas por ter ou não ter limites…
No limite os aplausos serão sempre a resposta de que o humor nos fez bem! … É a resposta que todos os que trabalhamos com humor esperamos …
Não nos podemos esquecer que o mundo está a mudar e… o HUMOR TAMBÉM
