“O que faria para ajudar a curar o mundo ? “
Há uns dias uma cliente colocou-me esta questão, a propósito do acompanhamento e orientação comportamental.
À pergunta do que para mim seria mais importante curar dentro de cada um, respondi : “A Culpa”
A CULPA de uma maneira geral … No entanto começaria por a culpa dos pais em relação aos filhos. É um tema que atormenta muitos pais, gera sofrimento e compromete a evolução de crianças e jovens.
Vejo, ou melhor, sinto a Culpa como uma das maiores armadilhas e entraves à evolução individual e como obvia consequência á evolução colectiva.
A culpa consome a nossa capacidade de acção e reacção.
A culpa desnivela o caminho.
A culpa embacia a lucidez.
A culpa atrofia…
A culpa surge como ferramenta de organização social… Os culpados são os errantes, os culpados são os ” pecadores” …
“minha culpa, minha máxima culpa” ´é parte de uma oração que ecoa em todas as missas, em pleno século vinte e um…. dois mil anos após a morte de cristo, afirmamos-nos orgulhosamente culpados por actos primitivos cometidos por ancestrais, como se tivessem sido cometidos por nós… Nenhum deus que se preze gostaria de ser responsável pelo sofrimento de dezenas de gerações. Deus não quer isso para nós é impossível que o quisesse! Assim tudo leva a crer que a Culpa funciona há dois mil anos como travão universal de mentes.
Se continuamos a dizer “Minha culpa, minha máxima culpa” pela crucificação de um homem, às mãos do império romano há dois mil anos, aplaudida e apoiada, por parte da população iletrada e ignorante e sem massa critica , quem somos nós afinal para assumir essa culpa em pleno século XXI ?
Pergunto se não seria melhor que ensinassem a orar para desenvolver o pensamento critico, a capacidade de observação, o auto-conhecimento e para não nos deixarmos manipular por orgãos de poder religioso, de comunicação social, interesses económicos e políticos ?
A culpa surge sempre que as acções passadas, se revelam errantes nos futuro. A culpa surge quando percebemos que prejudicamos outros e a nós mesmos, colocando-nos na posição de pessoa que não sabe o que faz. A culpa rotula-nos como alguém incompetente, incapaz, inconsequente, inconsciente. Alguem em quem não se deve confiar…
A Culpa acontece sempre no futuro, sem respeito nem atenção aos recursos inexistentes, para se perceber as consequências das nossas acções!
A culpa está em todo lado… Passemos aos pais e aos filhos
A Carla e o Joel procuraram-me por causa da filha que tem 13 anos. Sentem que a estão a perder, a jovem adolescente não quer estudar, só faz o que entende e como lhe convém.
Carla- Não sei o que fazer, estou perdida. Já corri tudo , eu sei que não lhe dei a atenção que deveria, logo após o nascimento dela tive de ficar à frente de um negócio de familia e estive pouco presente, hoje faria de outra forma…
O Vitor e a Emilia trazem outra questão ;
Vitor- Fui um péssimo pai , quando a Emilia me disse que estava grávida, assustei-me era um miúdo, tinha vinte anos e não tive capacidade para a acompanhar. Só passados dois anos reatamos, não me perdoou por isso, mesmo que a partir do momento em que voltei, tenha dado tudo o que consegui… A raiva que o meu filho tem de mim talvez venha daí, custa-me muito !
A Luisa também chegou com culpa;
Luisa- Tive uma depressão pós parto e o meu mais velho teve de ficar com a minha mãe os primeiros meses após o nascimento da irmã, fui uma fraca, a minha mãe deitou-me muitas vezes à cara o facto de eu não ter tido capacidade para tomar conta do meu filho e hoje em dia sinto uma culpa enorme por não ter conseguido estar inteira. Ele ficou zangado comigo e nunca consegui ter uma ligação tão forte com ele como tenho com a mais nova, ele não me ouve, nem dá importância nenhuma ao que eu digo…
Estas são apenas breves histórias de pais que procuram orientação para lidar com os filhos. Relatam falta de poder, de obediência, de respeito, de dedicação aos estudos e falta de compromisso por parte dos filhos.
A pior coisa que podemos dar aos nossos filhos é um sentimento de culpa por não termos feito diferente… A Culpa deixa os nossos filhos inseguros e perdidos quanto às nossas competências parentais, deixa-os entregues ao deus “dará”, mesmo sem nos apercebermos disso, a culpa é uma grande armadilha. Em campos comportamentais essa insegurança (subtil) transforma-se em comportamentos reactivos, alienados ou em falsa autonomia e embora os filhos não percebam porque optam por certos comportamentos, subtilmente chegam mensagens como estas :
” Se os meus pais não souberam fazer por mim uma vez, podem falhar outra vez… tenho de tomar conta de mim….
Se eles não tiveram consciência do que faziam à dez anos, como posso saber se hoje tem consciência do que fazem ?! …
Então e se sabem que poderiam ter feito melhor , porque não o fizeram?
Afinal ele/ela abandonou-me mesmo , só queria saber do trabalho , afinal não era necessário , pois se fosse necessário não sentiria culpa!… “
Há uns dias num grupo de orientação parental, uma cliente desabafava, que mesmo andando sempre a correr de um lado para o outro para dar atenção aos filhos, não conseguia deixar de sentir culpa e os filhos obviamente estavam sempre a cobrar, comparava-se com uma amiga cirurgiã que só passava um fim de semana por mês, com os filhos e os míudos eram muito bem resolvidos com essa ausência.
Lanço uma reflexão para todos os pais :
Pais ausentes que assumem a responsabilidade dessa ausência, sabem e aceitam que não podem fazer de outra maneira face à vida que escolheram e que é mesmo assim que tem de ser.
Esta atitude passa aos filhos segurança e confiança na sua acção e nas suas escolhas enquanto pais , marca presença. Estes pais, que assumem a responsabilidade das suas escolhas, e não se sentem em divida para com os filhos, conseguem vê-los, tem capacidade para os olhar com maior lucidez , sentido prático e autoridade, repreendem quando tem de repreender, riem quanto tem de rir e estão ausentes quando tem de estar.
O Amor firme acontece quando assumimos a responsabilidade das nossas escolhas e perante os nossos filhos asseguramos que está tudo bem, tudo aconteceu no lugar certo, no tempo certo, na melhor consciência e nas nossas faculdades máximas… que podemos melhorar, mas também pode ser pior… estamos cá para superar, mas também para errar. Não existem super homens, nem super mulheres, mas mesmo no nosso pior, fomos o nosso melhor para eles… E quando não existem duvidas do lugar de cada um, as crianças voltam a ser crianças, os jovens podem viver descansados e a raiva dá lugar à confiança e à certeza que os nossos pais fazem as escolhas que tem de fazer… e está tudo certo!…
Não nos podemos esquecer que somos fruto de uma sociedade que exigiu de nós nos últimos trinta anos, o que nunca exigiu dos nossos ancestrais : temos de ser excelentes profissionais, os primeiros a chegar e os últimos a sair, os mais produtivos. As empresas destas ultimas décadas, exigem dos funcionários que também são pais e mães, todas a horas úteis de um dia e a energia anímica para fazer prosperar as suas economias…. sem perceber tornámos-nos trabalhadores e consumidores natos… há muito para além da responsabilidade individual, há um enquadramento colectivo que nos conduziu a este corredor de culpa…
Cada um de nós tem de trabalhar para se endireitar e libertar da culpa, tomar as rédeas da sua posição parental e assumir a responsabilidade dos seus actos e escolhas, sem culpa …os filhos precisam disso… Os nossos filhos precisam de pais responsáveis pelos seus actos e pelas suas escolhas, precisam da confirmação que fizeram o melhor que sabiam e não poderia ser de outra forma… RESPONSÁVEIS mas não culpados , porque os pais culpados estão as deixá-los em desequilíbrio, inseguros e sozinhos… Os pais responsáveis asseguram-lhes que foi assim que teve de ser e isso não os impede de ir mais além, superar e melhorar…
